Salitre: Alunos (a) do Ensino MĂ©dio do 1Âș Ano "A" promovem debate com o tema ViolĂȘncia PolĂ­tica de GĂȘnero.

Por Ferreira Junior em 14/06/2024 às 14:41:31

Na tarde desta quinta-feira (13/06), das 14hs às 15:30, a Escola de Ensino Médio José Waldemar de Alcântara e Silva com iniciativa dos alunos (a) do 1Âș Ano "A", promoveram um debate com o tema ViolĂȘncia PolĂ­tica de GĂȘnero.

Para participarem dos debates, as alunas convidaram as vereadoras, Eridiana Ribeiro (PT) Sub-Procuradora da Mulher na Câmara, Prof.ÂȘ ClĂĄudia Lavôr (PT) Procuradora Geral da Mulher na Câmara e Socorrinha de Ronaldo (PT) Sub-procuradora da mulher. Na oportunidade, as parlamentares abordaram a Lei 14.192/2021 que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violĂȘncia polĂ­tica contra a mulher.

Na oportunidade foi perguntado pelas as alunas quais os desafios e frustrações jĂĄ encontrada durante o mandato das parlamentares

A igualdade entre homens e mulheres em nosso paĂ­s deu um grande passo com a Constituição Cidadã de 1988, mas ainda atravessa grandes desafios, cujo reforço foi feito por meio da sanção da Lei nÂș 14.192/2021, que traz instrumentos de enfrentamento à violĂȘncia polĂ­tica de gĂȘnero.

O caminho para se alcançar os direitos polĂ­ticos das mulheres no Brasil iniciou-se com o Código Eleitoral de 1932 e com a Constituição de 1934, instrumentos jurĂ­dicos que garantiram o direito da mulher ao voto. Em 1962, surge o Estatuto da Mulher Casada, legislação que regulamentava a situação jurĂ­dica diferenciada desta, pois o Código Civil de 1926 não permitia à mulher ter profissão, receber herança, entre outras vedações. Elas passam a ter direito sobre os filhos, compartilhando o então pĂĄtrio poder, podendo até mesmo ficar com a guarda.

No âmbito internacional, homens e mulheres foram igualados na Declaração de 1948, apesar de não nominalmente. Apenas em 1966, quando da promulgação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e PolĂ­ticos, houve a igualdade nominal-formal entre homens e mulheres explicitamente em um documento do Sistema das Nações Unidas. No Sistema de Direitos Humanos Americano, a inclusão dos direitos das mulheres se deu por meio da Declaração de Lima em favor dos Direitos da Mulher em 1938.

Mais efetivamente após a conquista do voto, os espaços de poder e a representação passaram a fazer parte dos debates sobre direitos civis e polĂ­ticos, bem como o conceito de cidadania. Os nĂșmeros indicam a baixa representatividade de minorias/maioria nos Parlamentos mundiais. Quando se analisa o Brasil, é reduzido o nĂșmero de participação de mulheres, assim como de negros, de indĂ­genas, de jovens, de pessoas com deficiĂȘncia e de pessoas LGBTQIA+.

Antes mesmo da garantia do direito ao voto, em 1932, temos o caso de Alzira Soriano, em Lajes (RN), a primeira mulher eleita prefeita na América Latina. Durante sua campanha eleitoral, em 1928, sofreu ofensas misóginas, com insinuações de que tinha um caso com o governador ou que, sendo uma "mulher pĂșblica", era prostituta. Foi eleita com 60% dos votos e assumiu o cargo em 1929, mas na eleição presidencial de 1930 apoiou JĂșlio Prestes e, como a Revolução de 1930 levou GetĂșlio Vargas à presidĂȘncia, todos os prefeitos do paĂ­s foram substituĂ­dos por interventores e, apesar de ser convidada a permanecer governando a cidade, não aceitou o cargo de interventora municipal e deixou a gestão do municĂ­pio.

O caso de Alzira mostra como as mulheres sofrem uma violĂȘncia diferenciada durante a campanha, antes mesmo de assumirem um cargo. Com a internet, esse tipo de calĂșnia e difamação nos dias de hoje ganha um contexto ainda maior, que perpassa os limites do seu próprio território.

Quando eleitas, a violĂȘncia se torna mais evidenciada, quando não são indicadas como titulares nas comissões, nem lĂ­deres dos seus partidos ou relatoras de projetos importantes, que trarão notoriedade. Também são constantemente interrompidas, não são chamadas para debates que não sejam ligados ao cuidado ou questionadas sobre suas roupas, aparĂȘncia fĂ­sica ou peso, como se essas caracterĂ­sticas influenciassem no exercĂ­cio do mandato ou da função. As mulheres também são constantemente questionadas sobre seus relacionamentos e sexualidade, além de serem taxadas com "mĂĄs mães", jĂĄ que não estão em casa cuidando dos filhos [1].

Assim, vĂĄrios aspectos perpassam e contribuem para a representação polĂ­tica minoritĂĄria de uma maioria populacional. No caso das mulheres, uma das causas da sub-representação das mulheres no Parlamento e nos espaços de poder e decisão é a violĂȘncia polĂ­tica de gĂȘnero. As mulheres sofrem violĂȘncia antes de concorrerem, quando concorrem e também quando são eleitas.

Inovações legais trazidas pela Lei nÂș 14.192/2021
A Lei nÂș 14.192/2021 traz um alento para quem enfrenta isso em seu cotidiano. Sancionada em 4 de agosto deste ano, ela conceitua violĂȘncia polĂ­tica contra a mulher como toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos polĂ­ticos da mulher. Acrescenta também qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercĂ­cio dos seus direitos e das suas liberdades polĂ­ticas fundamentais, em virtude do sexo (artigo 3Âș e seu parĂĄgrafo Ășnico).

De forma a enfrentar essas prĂĄticas nocivas, a nova lei objetiva prevenir, reprimir e combater a violĂȘncia polĂ­tica contra a mulher, nos espaços e atividades relacionados ao exercĂ­cio de seus direitos polĂ­ticos e de suas funções pĂșblicas, e para assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais e dispõe sobre os crimes de divulgação de fato ou vĂ­deo com conteĂșdo inverĂ­dico no perĂ­odo de campanha eleitoral.

Para cumprimento dos fins propostos, reafirma a garantia dos direitos de participação polĂ­tica da mulher, bem como a vedação de prĂĄticas de discriminação e de desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça, tanto no acesso das instâncias de representação polĂ­tica como no exercĂ­cio de funções pĂșblicas.

Quanto ao exercĂ­cio da representação polĂ­tica e a função pĂșblica, Gruneich e Cordeiro trabalharam com o tema em artigo de anĂĄlise sobre o antigo projeto de lei em discussão, trazendo o diĂĄlogo entre os conceitos de democracia e representação, defendendo que a representação polĂ­tica que trata a norma não deve ser confundida com representação eleitoral ou com função pĂșblica. A representação deve ser vista como o fornecimento de mandato para a substituição na tomada de decisões nos demais ambientes polĂ­ticos (não apenas eleitorais), como sindicatos, associações de classes, associações em geral etc., não apenas os mecanismos formais de disputa de pleitos eleitorais formais.

EstĂĄ reafirmada a garantia dos direitos de participação das mulheres, com o estabelecimento de prioridade para o "imediato exercĂ­cio do direito violado", dando efetiva importância às declarações da vĂ­tima e aos elementos indiciĂĄrios (artigo 2Âș e seu parĂĄgrafo Ășnico). Apesar do artigo 2Âș trazer esse princĂ­pio mais aberto, os demais artigos da referida lei restringem a configuração da violĂȘncia polĂ­tica contra a mulher para ações no perĂ­odo eleitoral ou no exercĂ­cio de mandato eletivo ou durante a campanha eleitoral.

Quanto aos instrumentos stricto sensu, houve a inclusão de dispositivos no Código Eleitoral, com a atualização do tipo penal de "divulgação de fatos inverĂ­dicos", constante do caput do artigo 323. Agora esse crime não estĂĄ restrito apenas à propaganda eleitoral, mas também àquelas divulgações que ocorram durante o perĂ­odo de campanha eleitoral em outros meios. Atualiza o tipo penal ao acrescentar como crime quem produz, oferece ou vende vĂ­deo com conteĂșdo inverĂ­dico acerca de partidos ou candidatos. Foi incluĂ­da clĂĄusula de aumento de pena quando este crime envolver menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia.

Houve a proibição de propaganda partidĂĄria que deprecie a condição da mulher ou estimule sua discriminação em razão do sexo feminino, ou em relação à sua cor, raça ou etnia, com a inclusão de novo inciso ao artigo 243 da Lei nÂș 4737/1965.

O texto legal inova com a inclusão de tipo penal especĂ­fico, de forma a garantir que as prĂĄticas de assédio, constrangimento, humilhações, perseguições ou ameaça, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, havendo o menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, tendo como finalidade impedir ou dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.

Ademais, para os crimes de calĂșnia, difamação e injĂșria eleitorais aumenta-se a pena em um terço quando estes ocorrerem com menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia ou por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitido em tempo real.

A responsabilização se darĂĄ também aos partidos polĂ­ticos, com proposta de ajuste na Lei nÂș 9.096/1995, ao se incluir nos conteĂșdos obrigatórios do estatuto partidĂĄrio a prevenção, o sancionamento e o combate à violĂȘncia polĂ­tica contra a mulher, que deverão adequar seus estatuto 120 dias da publicação da norma.

Avanços, sim, retrocessos, jamais!
É importante ressaltar que embora o Brasil tenha reconhecido o direito feminino ao voto em 1932, os homens jĂĄ votavam no território brasileiro desde 1532 quando, ainda como colônia portuguesa, os moradores de São Vicente (São Paulo) elegeram seu Conselho Municipal. Os exatos 400 anos de diferença mostram o abismo da participação polĂ­tica das mulheres, pois por mais que tenham conquistado o direito a votar e serem votadas, efetivamente não conseguiram ascender aos espaços de poder e decisão. O sufrĂĄgio feminino possibilitou o ingresso das mulheres nas estruturas polĂ­tico-eleitorais, mas foi apenas o começo do exercĂ­cio desse direito fundamental, muito por conta da violĂȘncia polĂ­tica sofrida por elas. A insuficiĂȘncia na efetivação desta representação demandou não apenas ações afirmativas, como a implantação das cotas polĂ­ticas de gĂȘnero, mas também uma legislação especĂ­fica sobre a violĂȘncia polĂ­tica contra as mulheres.

Hoje as mulheres são a maioria da população brasileira, com 51,8%; maioria do eleitorado, com 53% dos 150 milhões de eleitores/as e 45% das filiadas aos partidos polĂ­ticos. Mas apenas 15% dos/as eleitos/as para a Câmara dos Deputados e 14,8% para o Senado Federal.

Nos quase 90 anos do voto feminino e nos quase 200 anos da Câmara dos Deputados, foram eleitos 7.333 deputados, incluindo suplentes, enquanto as mulheres ocuparam apenas 266 cadeiras, mesmo com a obrigatoriedade de 30% de candidaturas femininas. Mesmo com as ações afirmativas, o Brasil ainda figura, segundo a ONU, em 142Âș lugar no ranking de representação feminina entre 191 nações citadas no mapa Global de Mulheres na PolĂ­tica da Organização das Nações Unidas e o nono lugar entre 11 paĂ­ses da América Latina.

Os pesquisadores Pedro Ag dos Santos e Farida Jalalzai lançaram em fevereiro de 2021 nos Estados Unidos o livro "Women"s Empowerment and Disempowerment in Brazil: the Rise and Fall off President Dilma Rousseff " ("Empoderamento e Desempoderamento das Mulheres no Brasil: Ascensão e Queda da Presidente Dilma Rousseff"). O livro aponta que o machismo teve papel destacado no processo de impeachment de Dilma Rousseff. Para os autores da obra, a ascensão da petista à presidĂȘncia suscitou uma reação desvairada que buscava não apenas tirĂĄ-la do poder, mas também enfraquecer a participação de mulheres na polĂ­tica. Segundo os pesquisadores, a experiĂȘncia de Dilma mostra que conquistar o poder é apenas um dos grandes entraves que mulheres enfrentam ao ingressar na polĂ­tica. MantĂȘ-lo é um desafio por si só.

Por tudo isso, divulgar esse importante instrumento jurĂ­dico para a sociedade é imprescindĂ­vel. Cada vez mais as mulheres tĂȘm de estar cientes de seus direitos e o aparato estatal deve estar preparado para o recebimento dessas novas demandas.

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