Com a virada de ano, o calendário eleitoral se intensifica até outubro, quando serão realizadas as primeiras eleições em uma década sem mudanças na legislação em relação ao pleito anterior. Em 2022, partidos e candidatos tiveram que se adequar à reforma eleitoral de 2021, mas de lá para cá nenhuma nova lei nessa seara entrou em vigor. A última vez em que um fenômeno do tipo aconteceu foi em 2014.
À época, o pleito municipal transcorreu nos moldes das mudanças instituídas em 2009 e em 2010, já que a sanção da reforma de 2013 ocorreu a menos de um ano das eleições seguintes.
Nos últimos dez anos, cinco reformas na Lei das Eleições, de 1997, ou complementares foram aprovadas pelo Congresso Nacional – em 2013, em 2015, em 2017, em 2019 e em 2021. Considerando um espectro maior, entre 1999 e 2023, a Lei foi alterada 19 vezes com um intervalo médio de 15 meses, como indicam os dados coletados de pesquisas de Arthur Fisch e Lara Mesquita, da Fundação Getúlio Vargas, e revelados pelo O GLOBO.
Desde o ano passado, duas matérias com esse teor avançaram no Legislativo e foram aprovadas pela Câmara dentro do prazo, mas ficaram travadas no Senado, impossibilitando a sua aplicação em 2024. Isso porque existe um distanciamento necessário entre a sanção das mudanças e a sua execução na eleição seguinte.
O artigo 16 da Constituição Federal diz que as leis que interferirem de alguma forma no processo eleitoral só podem entrar em vigor logo após a sanção presidencial quando chegarem a esse estágio até um ano antes da ida às urnas – sempre no primeiro domingo de outubro –, respeitando o princípio da anterioridade eleitoral.
A norma busca evitar os casuísmos eleitorais, que são mudanças de última hora com o objetivo de favorecer um ou mais agentes políticos em detrimento de outros.
Hoje, o princípio da anterioridade eleitoral é cuidadosamente seguido por parlamentares, a fim de evitar frustrações como as ocorridas em anos anteriores. Exemplo disso é a Lei da Ficha Limpa que, sancionada em junho de 2010, foi aplicada no pleito do mesmo ano.
Contudo, em março de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a incorporação imediata da norma era inconstitucional e, por isso, não devia ser válida para o pleito de outubro anterior.
Naquele ano, somente no Senado, quatro candidatos foram líderes em votos, mas tiveram os registros desaprovados por se enquadrarem na então nova política de inelegibilidade. Foi o caso de Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Jader Barbalho (PMDB-PA), João Capiberibe (PSB-AP) e Marcelo Miranda (PMDB-TO), cujos mandatos foram restabelecidos nos meses seguintes.
O entendimento do Supremo foi adicionado à repercussão geral e gerou precedentes para recursos julgados posteriormente com teor semelhante, evitando que manobras do tipo fossem realizadas nos anos seguintes, a exemplo da reforma de 2013, sancionada a cerca de dez meses das eleições de 2014.
Antes, esse imbróglio era comum. Em 2006, por exemplo, aconteceu episódio semelhante. Em março daquele ano, o Congresso promulgou uma Emenda Constitucional que acabava com a obrigatoriedade de repetir as coligações partidárias em níveis nacional, estadual, distrital ou municipal, dispositivo conhecido como verticalização.
Pouco depois, em outubro, o STF entendeu que a medida afrontava o princípio da anterioridade eleitoral e acatou ação que pedia que a regra não valesse naquele pleito. Assim, passou a vigorar somente a partir de 2008, com efeitos mais visíveis em 2010.
Mudanças na legislação eleitoral continuaram ocorrendo nos anos seguintes, desta vez com uma atenção maior ao prazo de implementação. Em 2015, 2019 e 2021, as propostas estavam prontas para a sanção ainda em setembro, dando cerca de um mês para a finalização dos ritos legais. Já em 2017, as normas foram fechadas às vésperas do vencimento do prazo exigido, no início de outubro.
A cada biênio, o Congresso despacha novos projetos do tipo, que ampliam a participação popular e controlam o fluxo financeiro das campanhas, mas também promovem benesses a candidatos e partidos. Somado a isso, um problema: os moldes são definidos sem discussão ampla com a sociedade. Estas, inclusive, são algumas das críticas recorrentes em relação aos dois textos em discussão no momento.
Os projetos de leis em questão preveem mudanças nos prazos de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa, a proibição das chamadas "candidaturas coletivas", um novo cálculo para as sobras eleitorais, a simplificação da prestação de contas de partidos e candidatos, entre outras.
Mas o trâmite na Câmara foi finalizada apenas no meio de setembro de 2023, dando ao Senado pouco tempo para analisar e votar o texto, enviar para a sanção e avaliar os possíveis vetos do Planalto. Tudo isso devia ser feito até 6 de outubro, para que valesse em 2024, mas isso não se concretizou.
Assim, os deputados e senadores ganharam novo prazo: eles têm até outubro de 2025 para avançar com esses projetos se quiserem aplicá-los em 2026.
Fonte: Diário do Nordeste